domingo, 30 de novembro de 2008

viva

veja-se a abordagem à morte pelos monty python num exemplo como este



e a abordagem americana de uma série de televisão ou filme mercantil, como por exemplo esta



no caso dos monty python, aquilo que à primeira vista pode chocar é um acto de respeito. fazemos fintas à morte, olhamo-la de frente, mantemo-nos de pé, brincamos com ela mas em momento algum ela deixou de ser mais poderosa do que nós, e é por isso que o humor resulta, pela maneira como dizemos à morte que somos capazes de nos rir dela demonstrando no mesmo acto que estamos lúcidos e conscientes de que isso em última instância não lhe faz diferença.

na série americana procura-se o espectáculo com o choque, com o grafismo, cadáveres humanos desfigurados, agredidos, ensanguentados, relativiza-se a morte tentando humilhá-la, e no fim de contas a única humilhada é a gente. cortada a corrente sanguínea nada mais há que nos confira essa dignidade senão o respeito por parte de quem a tem activa dentro das artérias. não ganhamos a luta no fim mas podemos pelo menos ter inteligência suficiente para não fazermos pouco de nós mesmos. temos essa obrigação.

fica aqui também um poema em que o álvaro de campos, como os monty python, trata a morte por tu.


Entremos na morte com alegria!Caramba
O ter que vestir fato, o ter que lavar o corpo,
O ter que ter razão, semelhanças, maneiras e modos;
O ter rins, fígado, pulmões, brônquios, dentes.
Coisas onde há dor e sangue e moléstias
(Merda para isso tudo!)

Estou morto, de tédio também
Eu bato, a rir, com a cabeça nos astros
Como se desse com ela num arco de brincadeira
Estendido, no carnaval, de um lado ao outro do corredor,
Irei vestido de astros; com o sol por chapéu de coco
No grande Carnaval do espaço entre Deus e a vida.

Meu corpo é a minha roupa de baixo; que me importa
Que o seu carácter de lixo seja terra no jazigo
Que aqui ou ali a coma a traça orgânica toda?
Eu sou Eu.
Viva eu porque estou morto! Viva!
Eu sou eu.
Que tenho eu com a roupa-cadáver que deixo?
Que tem o cu com as calças?
Então não teremos nós cuecas por esse infinito fora?
O quê, o para além dos astros nem me dará outra camisa?
Bolas, deve haver lojas nas grandes ruas de Deus.

Eu, assombroso e desumano,
Indistinto a esfinges claras,

Vou embrulhar-me em estrelas
E vou usar o Sol como chapéu de coco
Neste grande carnaval do depois de morrer.
Vou trepar, como uma mosca ou um macaco pelo sólido
Do vasto céu arqueado do mundo,
Animando a monotonia dos espaços abstractos
Com a minha presença subtilíssima.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

um gostinho adocicado


vossemecê sempre gostou de beber o seu café açucarado, sabe-lhe bem o café mas também o doce ao mesmo tempo. com 6 a 8 gramas de açúcar por chávena, não custa nada a beber e escorrega que é uma maravilha.

experimentando bebê-lo sem açúcar, aquilo é agreste que se farta mas é um desafio, um abanão nas papilas gustativas.

primeiro o café em si parece não se deixar saborear devido ao amargo predominante. mas depois das primeiras dificuldades, começa a surgir ali um prazer mais sublime. bebericando, percebe-se, depois de tantos anos, que o amargo faz parte do sabor do café. e, no fim de cada trago, a língua parece reagir produzindo ela própria um gostinho adocicado. o difícil é a pessoa desabituar-se do doce e perceber que não lhe pertence. ultrapassado isso, descobre-se uma bebida muito mais interessante. o desafio compensa.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

resultados viste-los

- sabe que eu levei muito tempo a ter isto pronto e deu-me uma trabalheira do caraças.

- com certeza meu amigo, mas agora diga-me para que é que teve esse trabalho todo se isso não presta para nada.

- o quê? mas eu já lhe disse que passei meses a trabalhar nisto.

- quanto a mim siga lá a sua vida que não me interessa o tempo que perdeu.

- mas estive eu com este trabalho to...

- meu amigo, o trabalho não é para se ver, o que é para se ver é o resultado e esse, como se costuma dizer, viste-lo.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

see you around

uma vez andava o elliott smith um bocado deprimido com a vida e quando chega a casa começa uma grande discussão com a namorada. a rapariga, farta de o ouvir, tranca-se na casa de banho. de lá de dentro ouve alguma coisa a esmagar-se e um gemido. vai encontrar o elliott com uma faca de cozinha espetada no peito, ferimento do qual não escaparia com vida.

postumamente sai from a basement on the hill. uma das cantigas do álbum, a fond farewell, parece uma espécie de despedida, pela carga depressiva e melancólica da letra em geral e especialmente pela referência a um homem a morrer numa sala, a dying man in a living room whose shadow paces the floor.

ficou por cá mais que uma sombra.

see you around, elliott.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

sua brincalhona


"eu não acredito em reformas quando se está em democracia; quando não se está em democracia é outra conversa, eu digo como é que é e faz-se (...) e até não sei se a certa altura não é bom haver seis meses sem democracia, mete-se tudo na ordem e depois então venha a democracia."

são as polémicas declarações de manuela ferreira leite de ontem. agora há quem diga que foi ironia, conhecido o apurado sentido de humor da senhora.

a vossemecê parece-lhe mais importante a preocupação da candidata com uma certa iliteracia (através, claro, da sua gorda lupa cómica)do que a sua brilhante ironia.

além de ter repetido quatro vezes a palavra democracia neste pequeno excerto, disse também a senhora manuela, a propósito dos ataques do governo às várias classes profissionais: "fizeram-se isso com os médicos, fizeram-se isso com os juízes, fizeram-se isso com os professores". ela sabe que a construção correcta seria "fizeram isso" ou fez-se isso". se o tivesse dito uma vez, poderia ter-se tratado de uma compreensível gaffe, tendo sido várias seguidas, vossemecê entende que a senhora ferreira leite é uma brincalhona com estas também subtilíssimas referências ao analfabetismo político nas entrelinhas do seu discurso.

preocupações de uma candidata séria a primeiras ministros (tenham-se cuidado com o políticos que se elegem).

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

mudam-se os fumos


vossemecê havia de fumar era no tempo em que os bebés o aconselhavam (suavezinho mamã, dizia o crianço).

sábado, 8 de novembro de 2008

obama na casa branca, carnaval democrático


e vai-se a ver, ganhou o obama. principais vantagens dessa vitória, conforme vossemecê a entende:

primeira os americanos deram conta de que andam em apuros (em grande parte por causa do arbusto daninho que deixaram crescer na casa branca nestes últimos anos) e as pálpebras da metade mais entorpecida parecem querer abrir-se num ímpeto de revolta;

segunda o avanço democrático que, a nível racial, esta eleição representa;

terceira a partir de agora a esperança de passar a existir um disfarce de carnaval feminino à altura do clássico óculos nariz bigode do grouxo marx, o disfarce de sarah palin (uma peruca com um carrapeto, uns óculos, umas maçãs de rosto proeminentes e um sorriso fixo estilo assistente de concurso televisivo no desemprego).

conclusão: além de haver muita gente a respirar de alívio porque durante os próximos anos não serão ouvidas frases como "i will not tolerate" e "axis of evil" com sotaque texano (e esperando não darem com outras de gabarito equivalente), o mundo está mais democrático a nível racial e a nível de género (o mundo, salvo seja, os estados unidos e a inevitável consequência das coisas grandes de lá na sociedade globalizada, até ver).